Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Últimas Notícias > Conselhos participativos são alvos do presidente
Início do conteúdo da página
direitos humanos em pauta

Conselhos participativos são alvos do presidente

Por Jacqueline Fernandes e Renato Martins | Supervisão: Profª Lúcia Helena Mendes | Publicado: Quarta, 31 de Julho de 2019, 11h14 | Última atualização em Quarta, 31 de Julho de 2019, 11h42

O presidente, que tanto volta atrás, parece querer eliminar tais órgãos

No dia 12 de abril de 2019, ao completar 100 dias de Governo Bolsonaro, o presidente da República publicou o decreto 9.759/2019 que prevê a extinção de cerca de, segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lozenzoni, 700 colegiados federais, incluindo os conselhos previstos na Constituição de 1988 e incluídos à Política Nacional de Participação Social (PNPS) pela presidenta Dilma Rousseff em 2014.

O presidente se manifestou sobre o decreto em uma rede social: “gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população”.

Os conselhos e demais órgãos que não foram criados por leis tiveram 60 dias, a contar da publicação do decreto, para submeterem justificativa de necessidade de existência.

Alegações do Governo

A principal alegação governista para justificar a extinção dos colegiados sociais, segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é econômica: o governo precisaria cortar gastos. “Esses órgãos resultavam em gastos com pessoas que não tinham nenhuma razão para estar aqui, além de consumir recursos públicos e aparelhar o Estado brasileiro”, afirmou Lorenzoni.

O curioso é que os membros não recebem nenhum tipo de salário ou bonificação financeira. Sendo assim, o principal gasto do governo com o Conade e demais conselhos é o do translado dos conselheiros para as reuniões já que nem todos são dos mesmos estados. Outro argumento muito utilizado pelo presidente é a suposta ligação desses órgãos com “ideologias petistas”. Bolsonaro defende que a extinção dos conselhos seria uma forma de “despetização” do país, mas não explica o que exatamente esses conselhos têm a ver com o PT ou a esquerda.

O Conade em apelo na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, na tentativa de barrar a decisão. (Foto: Fernando Bola

Quem mais pode ser extinto?

Alguns exemplos dos mais de 700 que estão na mira da chapa presidencial são o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI), Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrae), Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti).

O que todos esses grupos têm em comum é o fato de tratarem de questões frequentemente alvo de críticas de Bolsonaro e dos demais indivíduos aliados de seu governo.

Bolsonaro nunca quis esconder a intolerância com a comunidade LGBT ou com os indígenas, muito pelo contrário, o perfil ultraconservador, de pavio curto e politicamente incorreto e, em algumas situações, até humanamente incorreto trouxe para ele muitos eleitores, que se identificaram com a postura.

Durante a campanha, em fevereiro de 2018, no Mato Grosso, numa região de conflitos agrários, o então candidato à presidência chegou a afirmar: “se eu assumir como presidente da República, não haverá um centímetro a mais para demarcação”. A frase não é um fato isolado, o presidente confirma ser contra demarcações de terras indígenas já há muitos anos. Deste modo, é evidente que não seria do interesse do governo manter um conselho que visa criação e manutenção de políticas públicas para os remanescentes indígenas brasileiros.

Assim como os povos indígenas, outra parcela da população que certamente é alvo de algumas opiniões nada simpáticas por parte do presidente, é a comunidade LGBTQ+. Bolsonaro já disse coisas como “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” e que “o filho começa a ficar gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele”. No entanto, sobre pessoas com deficiências não se vê o mesmo discurso de ódio. Não se vê, na realidade, muito discurso.

O decreto pegou tanta gente de surpresa por, entre outros fatores, ser um segmento da sociedade que recebe atenção da própria primeira dama, que chegou a discursar em libras durante a cerimônia de posse, a linguagem de sinais utilizada por pessoas com deficiência auditiva.

Para que servem os conselhos?

Conselhos, fóruns e comitês federais que Bolsonaro tenta extinguir são espaços de diálogo entre o poder público e a sociedade civil. Isso significa que eles funcionam como entidades que dão voz a população, deste modo, os legisladores tomam, através deles, ciência das necessidades do povo.

Para que uma democracia funcione plenamente, é necessário que haja espaço para o diálogo com o povo. Os conselheiros são representantes escolhidos pela sociedade que disponibilizam tempo para debater em nome do povo. Em suma, são essenciais e benéficos tanto para o povo e quanto para os governantes e legisladores.

O que pensa o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Tocantins?

Os estados e municípios possuem geralmente seus próprios conselhos referentes aos direitos das pessoas com deficiência. O Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Tocantins (Coede) é regulamentado no Estado por meio da lei 2.044/2009 e é composto por 24 membros, sendo 12 titulares e 12 suplentes. Cada Conselheiro representa uma entidade dentro do conselho: seis são do poder público e os outros seis da sociedade civil organizada.

O Coede tem a missão de trabalhar para que as políticas públicas destinadas às pessoas com deficiência possam ser executadas pelo poder público, garantindo assim o respeito dos direitos dessa parcela da população.

O professor, membro de Coede e presidente da Associação dos Deficientes Visuais do Estado do Tocantins (Adveto), Euler Rui Barbosa, ficou surpreso com o decreto. “O Conade é um conselho nacional que trata de políticas públicas para pessoas com deficiência e, historicamente, possui grande representatividade. Na verdade, só a possibilidade de extinção já causou um grande impacto nas organizações estaduais”, afirmou.

O presidente da Adveto fala dos problemas que podem decorrer da possível extinção do Conade (Foto: Mariana Teodoro)O presidente da Adveto fala dos problemas que podem decorrer da possível extinção do Conade (Foto: Mariana Teodoro)

 

Atuação do Coede

Durante pesquisa para levantamento de dados para a reportagem, quase não foram encontradas citações em Diário Oficial do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência do Tocantins e, nas poucas vezes em que isso ocorreu, as publicações eram sobre nomeação de conselheiros. Diante disso, o que fica evidente é um Conselho pouco ativo. Dessa forma, o Conade tem, para o Tocantins, uma relevância ainda maior já que falta uma atuação mais volumosa e representativa a nível estadual.

Para Euler, os prejuízos, caso o conselho venha, de fato, a ser extinto são enormes. “Fica muito difícil porque o Conade é uma ponte entre as pessoas com deficiência e o Governo Federal ou os Conselhos Estaduais e Municipais. Muita coisa é debatida nos estados e municípios, mas muita coisa precisa ser discutida a nível nacional, pois, às vezes, são necessárias determinações e legislações federais. Sem o Conade a pessoa com deficiência perde um dos mais importantes órgãos representativos”, explicou o conselheiro sobre a possibilidade de extinção do órgão. No entanto, Euler afirma acreditar que a questão não “vá para frente”, pois o Conade possui lei que assegura sua existência.

O Vice-presidente do Coede e representante do Conselho Regional de Serviço Social do Tocantins (CRESS-TO), Ele Pedro Alves Barbosa, também falou sobre essa possibilidade de extinção.

“O país possui a Lei Brasileira de Inclusão que vem trazer, de forma detalhada, o que é a pessoa com deficiência; o novo conceito de pessoa com deficiência; quais sãos os direitos dessas pessoas; e o que o estado brasileiro, através da União e de seus entes federados, na sua esfera de governo, tem como obrigação para com a pessoa com deficiência no que diz respeito às políticas públicas destinadas a este público. Para isso, se faz necessário que o Estado brasileiro atue na execução dessas políticas e garantam a essas pessoas a eliminação das barreiras sociais”.                                                  Ele Barbosa


O Conade é um dos agentes que ajudam o Estado a assegurar essa questão”, explicou Ele. Portanto, a população brasileira com deficiência perderá, se confirmada a extinção, um órgão que lhe assegura que o poder público lembre dessa classe que faz parte das minorias deste país. Se os governantes não sabem do que necessitam e o que pensam essas pessoas, não podem agir em benefício delas.

A atual gestão do Coede está à frente do órgão desde 2018 e, entre suas deliberações, já fez uma recomendação embasada pela ONU, de incluir as pessoas com visão monocular à lei que garante direitos para deficientes visuais. Ainda para 2019 espera-se mais encaminhamentos de projetos de leis ao Legislativo Estadual.

O Coede não possui canais oficiais de comunicação e suas ações e deliberações são publicadas apenas em Diário Oficial do Estado, apesar de todos os órgãos representativos promoverem ações e assessorias próprias. Há inclusive dificuldade de acesso aos representantes e a seus documentos.

Qual o número de pessoas com deficiência no Brasil?

Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) datam de 2015 e revelam que 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em parceria com o Ministério da Saúde, considerou quatro tipos de deficiências: auditiva, visual, física e intelectual.

Os últimos dados divulgados sobre a quantidade de pessoas com algum tipo de deficiência no Tocantins são do Censo de 2010 do IBGE, de acordo com eles, na época, havia 308 mil pessoas com algum tipo de deficiência, o correspondente a quase 23% da população, o que significa quase um quarto da população daquele ano.

Movimentações políticas sobre o assunto

Em 12 de junho desse ano, o Supremo Tribunal Federal votou pelo limite no decreto que extinguiu os órgãos federais por lei. O STF entendeu que o presidente não poderia unilateralmente encerrar órgãos aprovados pelo Congresso e instituídos por lei. No mesmo dia, apesar da decisão, O Porta-Voz do Governo, Otávio Rego Barros, declarou que uma lei será enviada à Câmara Federal para garantir que os conselhos sejam de fato excluídos.

Também em junho, no dia 29, dia em que vencia o prazo para envio de justificativa de existência por parte dos conselhos, o presidente em exercício Hamilton Mourão voltou parcialmente atrás e determinou a recriação de 32 comitês consultivos. Quanto aos demais, que não foram abarcados pela decisão do STF e nem pela determinação de Hamilton Mourão, aguardam o fim de julho para receber posição do governo sobre a apreciação das justificativas.

 

Expediente
Produção e reportagem: Isadora Almeida, Jacqueline Fernandes, Mariana Teodoro e Rosa Maria Martins.
Fotorreportagem: Mariana Teodoro
Redação: Jacqueline Fernandes e Renato Martins
Edição: Renato Martins

 

registrado em:
marcador(es): Direitos Humanos
Assunto(s): #direitoshumanos
Fim do conteúdo da página