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O que é doença falciforme? Pesquisadora da UFT estuda plantas medicinais usadas por pacientes no Tocantins

Escrito por Gihane Scaravonatti | Publicado: Viernes, 24 Noviembre 2023 18:53 | Última actualización: Sábado, 25 Noviembre 2023 17:46

No mês da Consciência Negra, conheça esta doença grave, de alta incidência e historicamente negligenciada, que atinge a população negra

Doença falciforme: já ouviu falar? Pois saiba que esta é a doença genética hereditária mais prevalente no mundo, embora seja ainda desconhecida - ou ao menos carente de mais entendimento - para muitos de nós.

Ela atinge principalmente as pessoas de descendência familiar africana, impactando bastante em sua rotina, sua saúde física e emocional. Causa principalmente crises de dores recorrentes e debilitantes, que se manifestam ainda quando o paciente é apenas um bebê - por volta, geralmente, dos seis meses de idade. É uma doença grave.

No Tocantins, cuja população é composta em mais de 70% por pessoas pretas e pardas, os dados científicos locais sobre a doença, os tratamentos e as pessoas acometidas por ela ainda são incipientes. 

Mas, alguns pesquisadores da Universidade Federal do Tocantins (UFT) vêm trabalhando para preencher esta lacuna de informações sobre a patologia na população do Estado. Entre os estudos sobre a doença falciforme no Tocantins, realizados na UFT, estão os de Rebeca Garcia de Paula.

A Rebeca é médica formada pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com especialização em Pediatria. Além de atuar como docente no colegiado de Medicina da UFT, ela também é pediatra no Ambulatório de Hematologia da Hemorrede do Estado do Tocantins, exercendo suas atividades no Hemocentro de Palmas.

No Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente (PPGCiamb), Rebeca vem desenvolvendo sua tese de doutorado, em que investiga o uso tradicional das plantas medicinais em pessoas acometidas pela doença no Tocantins, principalmente em crianças. “Estamos fazendo um levantamento desses dados porque não temos nenhum estudo registrado sobre isso aqui, no Tocantins, até o momento”, afirma Rebeca.

Os levantamentos da pesquisadora focam especialmente nas plantas medicinais endêmicas do ecótono Cerrado-Amazônia. “Trata-se de um estudo voltado para a nossa região mesmo, para que tenhamos um novo conhecimento local em relação a essas plantas, sobre o que já é usado culturalmente pelos pacientes, por suas famílias… Precisamos fazer esta correlação científica com o saber cultural, se realmente há algo científico estudado nisso; se não, que a gente estude, que façamos essa articulação entre o uso cultural e o uso científico das plantas medicinais nessa população”, explica a pediatra e professora pesquisadora.

Rebeca vem apresentando os resultados parciais de seus estudos em eventos científicos, principalmente no Tocantins - onde já teve alguns de seus trabalhos premiados, também em parceria com outros pesquisadores do PPGCiamb sobre o tema. 

Alta ocorrência e subnotificação

No Brasil, a doença falciforme tem alta ocorrência, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Estima-se que, atualmente, haja entre 60 mil e 100 mil pessoas acometidas pela doença no país, que ainda é subnotificada, no entanto.

No Tocantins, para cada 10 mil crianças nascidas, até cerca de quatro delas podem apresentar a doença, cujo diagnóstico se faz principalmente pelo teste do pezinho. Nos adultos - que, por alguma razão, não foram diagnosticados ainda no nascimento -, o diagnóstico é feito por outro exame de sangue: a Eletroforese de Hemoglobina.

"Mas, no nosso estado, o diagnóstico da doença somente passou a integrar o teste do pezinho, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 2013. E acreditamos que haja uma subnotificação: tem quem não leve o bebê para fazer o teste, quem leve e, depois, não receba o resultado do SUS ou mesmo não vá buscar o resultado. Enfim, são muitas as situações para a subnotificação e possivelmente este número de recém-nascidos diagnosticados no Tocantins possa ser bem mais elevado", destaca Rebeca.

Doença falciforme, o que é? Um guia fácil para entendermos

A doença falciforme é, na verdade, um conjunto de doenças causadas pela presença de hemoglobina anormal S - em homozigose ou heterozigose com outra hemoglobina anormal - nos glóbulos vermelhos do sangue, as chamadas hemácias.

A hemoglobina é a proteína responsável por transportar oxigênio aos nossos tecidos, e ela está presente nas hemácias. As hemácias são, originalmente, células arredondadas e flexíveis, que percorrem todos os vasos sanguíneos do nosso corpo, levando o oxigênio que está ligado à hemoglobina.

Só que, nas pessoas com doença falciforme, as hemácias sofrem alterações no seu formato original por conta de uma mutação na sequência do gene HBB, responsável por codificar a subunidade beta da hemoglobina. Quando mutado, esse gene HBB acarreta a formação anormal da hemoglobina, originando a hemoglobina S (HBS, sendo o S da palavra em inglês sickle, que significa foice).

A partir desta alteração, as hemácias também se modificam: de arredondadas e flexíveis, elas adquirem o formato de uma “foice” e ficam mais rígidas. Essas novas características acabam dificultando sua passagem pelos vasos sanguíneos e, como consequência, comprometem a circulação sanguínea da pessoa afetada pela doença e a oferta de oxigênio ao cérebro, pulmões, rins e outros órgãos.

Anemia Falciforme

 

"Na doença falciforme, a hemoglobina S, que é uma hemoglobina anormal, mutante, é transmitida geneticamente dos pais/mães para os filhos(as), ou seja, é uma doença hereditária", reforça Rebeca. 

Anemia Falcifome_Campanha de Sensibilização_Fonte_Angola.org

 Imagem: angola.org (campanha angolana de sensibilização - anemia falciforme)

 

O tipo mais grave da doença é a anemia falciforme. "Mas, se o paciente for 'traço', ele vai ter tanto a hemoglobina S quanto a A - que é a hemoglobina normal -, só que a A (normal) vai predominar em relação à S (anormal). Dessa forma, ele não vai manifestar os sintomas da doença, mas ele é um portador: pode passar adiante para os seus filhos, para a sua futura geração, esse traço - que pode vir a resultar na doença", detalha a médica pesquisadora. 

Sintomas e complicações da doença falciforme

As hemácias mutantes, em formato de foice, são propensas a aderirem às paredes dos vasos, provocando a obstrução da circulação sanguínea da pessoa acometida pela doença. Esta falta de oxigênio na região onde as hemácias estão bloqueando a circulação do sangue leva o paciente a um quadro bastante doloroso, chamado de crise vaso-oclusiva.

A doença falciforme, ressalta Rebeca, é potencialmente grave e suas complicações podem ocasionar a morte - daí o acompanhamento médico ser indispensável na rotina dos pacientes.

Entre as complicações da doença, estão:

  • Sequestro esplênico: mais frequente em crianças, podendo levá-las à óbito;
  • Síndrome torácica aguda: quadro pulmonar grave e, por vezes, fatal;
  • Doença renal: podendo necessitar de hemodiálise ou transplante;
  • Retinopatia: se não tratada, causa cegueira ao paciente;
  • Acidente vascular cerebral isquêmico: inclusive em crianças, podendo deixar sequelas ou mesmo levar à óbito;
  • Osteonecrose: uma lesão óssea, que acarreta deformidade e dor crônica;
  • Úlcera de membros inferiores: de difícil cicatrização. 

No Tocantins, os pacientes encontram um serviço público de atendimento especializado à doença. "Temos este atendimento no Ambulatório do Hemocentro, disponível na capital Palmas e no município de Araguaína", afirma Rebeca, que atende como pediatra no Hemocentro de Palmas. "No local, o paciente é triado e acompanhado por um especialista na doença falciforme, um hematologista e toda uma equipe multiprofissional. Então, nós da pediatria, assim como da assistente social, psicologia, farmácia, odontologia, fisioterapia, entre outros profissionais, acompanhamos esse paciente e, junto a ele, promovemos ações em educação e saúde para a família dele também", destaca. 

O mais recente avanço científico para o tratamento da doença falciforme

Na semana passada, a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) do Reino Unido aprovou, de forma pioneira, o uso do tratamento conhecido como Casgevy em protocolos da doença falciforme e da talassemia beta (esta, também uma condição genética causada por erros de genes na hemoglobina). 

Jennifer A. Doudna (e) e Emmanuelle Charpentier_ Fonte: girlstech.itA técnica inovadora de edição genética CRISPR-Cas9, que permite aos cientistas fazerem alterações bastante precisas no DNA, foi desenvolvida por duas cientistas - Emmanuelle Charpentier (França) e Jennifer A. Doudna (Estados Unidos) —, vencedoras, por isso, do Prêmio Nobel de Química em 2020

Após o tratamento, com as células "editadas", o organismo do paciente passa a produzir glóbulos vermelhos com a forma estável de hemoglobina. No entanto, embora represente um grande avanço nas abordagens médicas para o combate - e mesmo possibilidade de cura - de doenças genéticas, o tratamento, a princípio, deverá ter custo elevado e, portanto, de acesso bastante restrito - também porque a aprovação, por ora, é somente naquele país. Mais detalhes aqui, em matéria da CNN.

Doença falciforme e direitos dos pacientes

Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 1301/23, que reconhece a condição de deficiência aos portadores da doença falciforme no Brasil. O autor do Projeto, deputado Clodoaldo Magalhães (PV-PE), destaca o número elevado de brasileiros que, por condições genéticas, apresentam ou estão propensos à doença, bem como as diversas complicações causadas pela doença falciforme, que podem limitar bastante a rotina dos portadores - ainda que não esteja no rol de moléstias consideradas como deficiência física. 

No Tocantins, a deputada estadual Claudia Lélis (PV) teve seu Projeto de Lei - que garante o atendimento prioritário aos portadores da doença falciforme - aprovado por unanimidade, em julho deste ano, em votação pelos deputados, e posteriormente sancionado pelo Governo do Estado. A agora Lei Estadual 4203/23 estabelece atendimento prioritário à pessoa com doença falciforme nos estabelecimentos públicos estaduais e privados do Tocantins, durante todo o horário de expediente. 

Para a professora pesquisadora Rebeca Garcia, trata-se de uma conquista fundamental e importante à qualidade de vida dos pacientes. "É uma doença potencialmente grave, importante que eles tenham a prioridade no atendimento, principalmente se o paciente estiver em situação de crise, porque as dores são realmente muito fortes, precisando de um controle que, às vezes, eles não conseguem obter somente em casa ou em unidades mais básicas da saúde", explica Rebeca.

"Em quadros mais graves como, por exemplo, num sequestro esplênico - uma complicação aguda devido à retenção de hemácias no baço, que pode resultar em choque -,  o paciente vai precisar de uma hidratação vigorosa muito rápida e, por vezes, até mesmo uma transfusão; por isso a importância da legislação de atendimento prioritário", destaca a médica. 

Saiba mais

Quer conhecer mais sobre os estudos que a pediatra e pesquisadora Rebeca Garcia de Paula vem realizado em relação à doença falciforme no Tocantins? Neste livro - uma coletânea de protocolos médicos em residência pediátrica da UFT -, os dois últimos capítulos (páginas 383 e 417) tratam da abordagem hospitalar e ambulatorial em crianças com doença falciforme no Tocantins. Os capítulos são resultado dos estudos científicos e atendimentos médicos realizados por Rebeca com outros médicos pesquisadores da temática e desse público de pacientes.

Você também pode contatar a pesquisadora pelo e-mail: Esta dirección de correo electrónico está siendo protegida contra los robots de spam. Necesita tener JavaScript habilitado para poder verlo..

Conheça, ainda, mais sobre os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores do PPGCiamb UFT: acesse o site do Programa e acompanhe todas as novidades pelo perfil do PPGCiamb no Instagram

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