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Mulheres na Engenharia: conheça a história e os desafios de sete mulheres

Por Virgínia Magrin | Revisão: Paulo Aires | Publicado: Quinta, 23 de Junho de 2022, 08h22 | Última atualização em Quinta, 23 de Junho de 2022, 09h00

Dia 17 de dezembro de 1792 foi o início formal do curso de Engenharia no Brasil, mas a formatura da primeira mulher na área só ocorreu em 1917, ou seja, 179 anos depois. Essa diferença seguiu e segue os cursos de engenharia no mundo, mas a disparidade tem diminuído ao longo dos anos com as mulheres determinadas e competentes, que têm alcançado cada vez mais espaços e posições de destaque no mercado de trabalho.

Pensando em situações como essas, a Women’s Engineering Society (WES) do Reino Unido comemora, anualmente, no dia 23 de junho, o Dia Internacional das Mulheres na Engenharia, inclusive no Brasil. O objetivo é ampliar e fortalecer o espaço das mulheres na engenharia em âmbito mundial.

Na Universidade Federal do Tocantins (UFT), por exemplo, as Engenharias Elétrica e Civil têm um público masculino maior. As Engenharias de Bioprocessos e Biotecnologias e de Alimentos têm o público feminino predominante e as Engenharias Ambiental e Florestal têm um equilíbrio de público. Em homenagem a todas as engenheiras que trabalham, estudam ou já se formaram pela UFT, vamos contar a história de algumas delas.

Engenharia Elétrica

Nathália da Costa Marques se formou em Engenharia Elétrica, pela UFT, em agosto de 2019. Ela conta que sua escolha foi por ter afinidade com exatas e escolheu especificamente a Engenharia Elétrica, por inspiração em seu padrasto, que é eletrotécnico, e, em um tio que é engenheiro eletricista.

Ela, que atualmente trabalha como empreendedora na área de energia solar e elétrica de potência, conta que explicitamente nunca sofreu preconceito na área, mas em algumas palavras ou olhares foi possível perceber, mesmo entre seus colegas de aula, certa descrença em sua capacidade. “Me lembro de quando entrei no 1° período e um veterano apostou que eu trocaria de curso até o 4° período. Ou quando meu marido, que também é engenheiro, está comigo e começam a se dirigir apenas a ele. São pequenos julgamentos que fazem a gente sentir, sim, certa dificuldade em se posicionar, pois desde cedo já colocam na nossa cabeça que não somos capazes. Ao longo do curso, com tanta representatividade feminina, esse preconceito da gente consigo mesma vai diminuindo”, garante ela.

A caminhada de Nathália, na engenharia, também foi e está sendo marcada por empatia e admiração, com o apoio da sua família, que compartilha a profissão e do seu primeiro chefe que nunca apresentou nenhum preconceito: “Percebia também na fala de muitos clientes admiração por uma mulher trabalhar nessa área, como se reconhecesse o esforço e a coragem para enfrentar o preconceito e a profissão - que já é difícil por si só”.

O que ela aprendeu com isso tudo? Ela simplesmente ignora quem a subestima e se mantem apenas onde é valorizada. “Não sinto mais a necessidade de provar que sou boa porque sou mulher, só sinto a necessidade de provar que sou uma boa profissional e ponto. Tenha coragem de ser quem você é, não acredite se disserem que você não é capaz. Há muito espaço e muita admiração mesmo existindo o preconceito, saiba se valorizar e não precisará que ninguém te julgue capaz além de você mesma”, enfatiza Nathália.

Engenharia Civil

Lílian Bracarense escolheu a Engenharia Civil como consequência do seu curso técnico em edificações, feito concomitante ao ensino médio. “Gostei do curso e quis seguir na engenharia. No entanto, ao longo do curso de Engenharia Civil conheci outras áreas além da construção civil e direcionei minha atuação para área de transportes”, explicou ela que se formou em 2010.

Atualmente, Lílian segue carreira acadêmica como professora no curso de Engenharia Civil da UFT; conta que antes disso atuou em empresas de projeto: “No ambiente de trabalho não tive dificuldades. Na relação com clientes, algumas vezes, eu percebia que a credibilidade das minhas falas era colocada em questão. Em reuniões com potenciais clientes era comum direcionarem a fala para os homens da equipe, mesmo quando eu era a coordenadora do projeto. Sempre tive muito cuidado com minha postura no trabalho e sentia a necessidade de estar muito segura sobre os temas técnicos, pois qualquer equívoco era percebido com um peso maior em comparação a colegas homens. Isso permanece na área acadêmica”.

Para se impor neste universo predominantemente masculino, ela percebeu que no setor privado, por exemplo, era necessário estar mais preparada para ser questionada do que colegas engenheiros e só conquistava credibilidade após mostrar resultados. “Isso faz com que nós, mulheres, precisemos nos capacitar constantemente e trabalhar muito mais para sermos vistas e mostrar que somos capazes, principalmente quando se trata de cargos de liderança”, pondera a engenheira civil.

Mas mesmo com as dificuldades encontradas ela acredita que a educação, as mudanças sociais e culturais têm contribuído para que as últimas gerações de mulheres possam sonhar com suas carreiras e vislumbrar outros horizontes além dos papéis tradicionalmente atribuídos a elas. “Hoje temos mulheres atuando em várias áreas que nos inspiram e nos mostram que é possível crescer profissionalmente. Essas mulheres enfrentaram muitos desafios para chegarem onde estão, mas à medida que mais mulheres conseguem ocupar cargos de liderança, começam a abrir o caminho para que outras profissionais sejam vistas como candidatas aos cargos, sem precisarem provar que ser mulher não é um limitador”, defende ela.

Por fim, ela deixa um recado para outras mulheres que querem trilhar a carreira na engenharia: “Estudem, se capacitem e abracem as oportunidades. A engenharia precisa de vocês. A sociedade precisa de mulheres ocupando espaços, tomando decisões e promovendo mudanças para que cada vez mais mulheres possam ser e fazer aquilo que quiserem”.

Engenharia Ambiental

Marina Carvalho Pires se formou em Engenharia Ambiental em 2018. Ela conta que sua primeira escolha foi a Engenharia Civil, mas como não conseguiu entrar foi para a sua segunda opção que era a Engenharia Ambiental. Ao entrar no curso, ela se apaixonou pela área. Ao contrário de Nathália e Lílian, ela nunca sentiu preconceito, pelo contrário, sentia que por ser mulher teve mais facilidade em ser ouvida, permitindo ela crescer.

No mercado de trabalho, Nathália começou como estagiária e dentro do estágio aprendeu a trabalhar com o que a motivou a abrir sua empresa VRP Ambiental, em parceria com seu esposo, que também é Engenheiro Ambiental. Para se posicionar na área, ela conta que sempre busca o respeito: “A maior dificuldade nesse cenário é o assédio que passamos por ser mulher. Um tema até difícil de abordar, mas que considero o maior desafio da mulher na engenharia, tanto na minha área como em outras. O assédio é uma realidade que vivemos diariamente, e, para sobressair dessas situações foi preciso usar de muito bom senso, respeito e até mesmo alegria, para que não faça da situação algo constrangedor que prejudique o seu negócio”.

Marina acredita que a habilidade da mulher em ser multifuncional é uma característica que contribui para o destaque crescente nessa área. “Temos a capacidade de lidar com diversas situações de forma simultânea, trazendo agilidade e uma análise detalhada dos fatos. Promovendo ao cliente, confiança no trabalho executado, qualidade e eficiência”, declara ela.

Engenharia de Alimentos

Cláudia Auler é engenheira de alimentos, formada em 2007 pela UFT. Ela conta que no caso dela o preconceito é reverso, já que na Engenharia de Alimentos a predominância é historicamente feminina. “O preconceito com a área é exatamente por ser uma engenharia com grande número de mulheres, então muitas vezes escutei piadas de mal gosto ou críticas veladas pelo fato de ser mulher e de  ser engenheira de Alimentos. Entretanto, a relevância da profissão fala por si só e cada vez fica mais clara a importância da engenharia de alimentos para a sociedade e para o desenvolvimento econômico do país e também a competência das profissionais que atuam na área”, afirma a engenheira.

Ela conta que desde a graduação se envolveu com projetos que visavam analisar a segurança de alimentos e bebidas, principalmente considerando padrões microbiológicos, de forma a garantir a qualidade dos produtos e a saúde dos consumidores. Atualmente ela se dedica à educação, como professora do curso de Engenharia de Alimentos e do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, além de envidar esforços na pesquisa em diferentes frentes.

Cláudia explica que a engenharia é pensar, projetar, executar e criar soluções para um problema. Essas competências são independentes do gênero da pessoa: “Acredito que por isso, cada vez mais, as mulheres têm encontrado nas engenharias uma forma de expressar aquilo o que são e o que desejam para o planeta. E aos poucos, o mercado de trabalho tem reconhecido o potencial das mulheres, pois é inegável que a participação feminina no setor de engenharia agrega bastante na qualidade dos serviços prestados”.

Para quem quer trilhar essa área, ela deixa claro que o que define bons engenheiros são suas aptidões, habilidades para desenvolver soluções e competências para lidar com os desafios impostos pela carreira, e não o gênero, e, que apesar das mulheres enfrentarem muito mais preconceitos e desafios que homens ao longo da carreira na engenharia, elas vêm provando seu devido valor e conquistando um espaço cada vez maior: “Ainda há muito a ser conquistado e é necessário nos impormos o tempo todo. De toda forma, acredito que o respeito e o reconhecimento dentro da área são alcançados com seriedade, competência, determinação para apresentação de serviços de alto nível. Portanto, lembrem-se sempre que lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive, na Engenharia!”.

Engenharia Florestal

A engenheira florestal Maria Cristina Bueno Coelho se formou em 1994. Na época, sua turma foi uma das primeiras que tinha um público equilibrado – metade mulheres e metade homens. “Dentro do espaço acadêmico sempre fui respeitada e considerada igual, mas quando começaram as atividades de campo e estágios acontecia algum preconceito no sentido de que os colegas e as pessoas que trabalhavam conosco não acreditavam que as mulheres podiam fazer ‘este tipo de trabalho’. Nosso lugar seria no administrativo. Penso que o trabalho de campo não depende de gênero e sim de capacidade e de foco para alcançarmos nossos objetivos”, afirma ela.

Atualmente, Maria Cristina é professora da UFT no curso de Engenharia Florestal, em Gurupi, e, trabalha com manejo de florestas plantadas e nativas, ou seja, determinando a produção florestal, avaliando a dinâmica de crescimento e incremento das florestas, quantificando estoques de carbono e biomassa, cuidando do equilíbrio entre o financeiro e o ambiental.

A Engenheira Florestal acredita que a mulher se impõe pela sua competência e  determinação, não pelo gênero. “Devemos nos valorizar dentro do nosso ambiente de trabalho, definindo prioridades e ações. O avanço das mulheres na engenharia vem da sua autoconfiança e autorrespeito,  através do avanço histórico da luta através do reconhecimento do potencial feminino, ou seja, o empoderamento. Pela  valorização do nosso trabalho, fazendo com que nossas ações falem por nós mesmas”, aconselha ela.

Para Maria Crista, a chave no começo é acreditar em si  mesmo  e em sua capacidade: “ Somos capazes de assumir qualquer área sem precisar provar nada para ninguém; trabalhos não devem ser separados por gênero. Como engenheira florestal costumo dizer que sempre que estou em contato com as florestas aprendo muito com a natureza, é verdade, pois fico em sinergia e em harmonia com a terra; e é nestes momentos que constatamos que nós é que dependemos dela”.

Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia

Talita Ferreira diz ter sido escolhida pela Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, aos 29 anos. Ela que já havia feito Teologia e cursado um ano de Enfermagem em uma universidade particular, escolheu essa oportunidade que surgiu na UFT e se apaixonou pela área. Formada desde 2014, ela conta que sentiu um pouco de dificuldade e preconceito no início, inclusive das próprias mulheres, principalmente no que diz respeito à capacidade e julgamentos de que mulher não consegue desempenhar alguns tipos específicos de trabalho: “O preconceito vem da gente também, achando que a gente não é capaz por ser mulher. Mas é necessário esse empoderamento”.

Talita já trabalhou com biotecnologia vegetal, controle alternativo de pragas, biotecnologia de alimentos e bebidas e tecnologia do produto em si. Atualmente ela é professora do curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da UFT e já passou por várias disciplinas ensinando e trabalhando pesquisas com biorreatores e dimensionamento, bioescalonamento de bioprocessos, biotecnologia do bioprocesso em si coma formação de novos produtos, entre outros.

Para se impor no universo muitas vezes com predominância masculina, ela conta que é preciso gostar do que se faz: “Quando a gente faz o que a gente gosta e dentro desse fazer a gente faz o melhor, o possível, sem preguiça, usando a inteligência, se dedicando à tarefa, as ações, eu acho que a gente acaba se impondo, aparecendo, sendo referencial, independente do universo, naturalmente”.

Talita acredita que as mulheres têm alcançado cada vez mais espaço nas engenharias, por ter desempenhado seus papeis e funções adequadamente, agindo, sendo proativas, planejando, se dedicando, dando o seu melhor, sendo educada com as pessoas, fazendo o que deve ser feito, e, com isso a ocupação vai sendo natural. Para quem quer seguir essa área ela aconselha: “Se você quer fazer a engenharia, faça! Ela vai te exigir vários tipos de conhecimento, várias habilidades, então se você não quer se sentir entediada, você pode ir para a engenharia. Basta ser você mesma, desempenhar sua função, com dedicação e sem preguiça. Fazer bem feito de acordo com aquilo que a gente consegue - aí as coisas fluem”.

Engenharia Agronômica

Susana Cristine Siebeneichler é filha de pequenos produtores rurais do interior do Rio Grande do Sul (RS). Sua família trabalhava com agricultura familiar e produção de suínos, e, por tudo isso, a escolha pela agronomia foi algo natural e gratificante pra ela, que levou conhecimento e técnica para sua própria casa. Ela se formou em 1992. Em 1993, ingressou no mestrado; e em 1998 no doutorado em Produção Vegetal.

Ela conta que durante a sua trajetória, ao terminar o mestrado retornou ao RS, pois não queria ser professora. Tentou arrumar emprego em diversas fumageiras, pois na época eram as únicas empresas que contratavam agrônomos na sua cidade, mas encontrou dois obstáculos: um era ser mulher e outro ter um mestrado, pois na época a realidade era diferente. “O mercado de trabalho para as mulheres nas engenharias era muito incipiente. As mulheres conseguiam uma oportunidade de emprego como professoras ou como responsáveis por laboratórios em empresas ou em órgãos de pesquisa (federais ou estaduais), por concurso ou contrato temporário”, conta ela.

Ao terminar o doutorado, Susana se mudou para a cidade de Gurupi, onde assumiu uma vaga de professora contratada na então UNITINS. Em Janeiro de 2003, fez o primeiro concurso da UFT como professora e assumiu a vaga em julho de 2003. Retornou ao estado com a família completa (pai, mãe e um bebê de 3 meses). Desde então ela trabalha ministrando aulas de bioquímica, ecofisiologia vegetal e, mais recentemente, biologia celular. “Como sempre gostei de pesquisa, desde o início tenho um pequeno grupo de pesquisa para orientar estudantes de graduação onde já trabalhamos com abacaxi, espécies florestais, plantas nativas e grandes culturas”, comemora a engenheira agrônoma.

Diante das adversidades encontradas, ela acredita que o que mais vale é o trabalho e a dedicação, o restante são obstáculos que devem ser superados pouco a pouco, que exige das mulheres uma postura firme e muito comprometimento. “O avanço das mulheres vem com a própria mudança que está acontecendo na sociedade e, do outro lado, a nossa competência e dinamismo. Mulheres não são homens nas engenharias e principalmente na agronômica; elas devem se valorizar, pois elas conseguem exercer diversas funções ao mesmo tempo, ou seja, o dinamismo faz parte da mulher, acredito que está no nosso DNA. Não sou feminista, mas defendo que tem muitos homens no campo que perdem para as agrônomas que estamos formando hoje”, defende ela.

Por fim, ela deixa um conselho: “Busquem a sua realização pessoal acima de qualquer coisa, pois entrar na área das engenharias, especificamente da agronomia, tem que querer pois não é para qualquer um, eu digo que tem que ter tutano na veia para aguentar as inúmeras situações complicadas que aparecem. Infelizmente ainda não estamos vivendo um tempo de glória para as mulheres no agro, mas a situação está muito melhor do que esteve há 5 anos, onde quase não tinha oportunidade para as mulheres trabalharem. Hoje as empresas querem um percentual do seu pessoal do gênero feminino. Isto é maravilhoso. As mulheres agrônomas, como em todas as profissões, ainda não têm a liberdade de trabalhar como os homens, mas este espaço está sendo conquistado dia após dia”.

Susana finaliza afirmando que fazer o que se gosta dá tanto prazer, que os percalços se tornam pequenos em relação ao sentimento de vitória que são vivenciados em determinados momentos.

 

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